sábado, 14 de maio de 2011

Reportagem - Obra-prima

Reportagem - Arte por dentro e por fora
Claudia Bojunga
1/4/2010

Oscar Niemeyer nem imaginava que viria a ser o arquiteto responsável pela construção de Brasília quando projetou o Cassino da Pampulha, em Belo Horizonte, no início da década de 1940. O jovem arquiteto de 33 anos foi designado pelo então prefeito da capital mineira, Juscelino Kubitschek (1940-1945), responsável pela edificação, que faria parte de um complexo de lazer. Anos mais tarde, o colega de profissão Lúcio Costa afirmaria que foi nesse prédio retangular, marcado por linhas retas e curvas e de fachada envidraçada, que nasceu a arquitetura de Niemeyer. Hoje, a construção abriga o Museu de Arte da Pampulha (MAP). 

Curiosamente, a edificação modernista conta com um acervo que é, na maioria, de artistas contemporâneos. “O museu nasce com a proposição de guardar arte moderna, mas a ênfase dele acaba sendo arte contemporânea. A coleção de arte moderna não é expressiva; temos um ou dois exemplares de cada artista”, diz o curador do MAP, Marconi Drummond.

A história da formação desse conjunto de peças está no livro Entre Salões, que será lançado em julho próximo. O título é uma referência ao Salão Nacional de Arte Contemporânea de Belo Horizonte, que começou em 1969 e cuja trajetória se confunde com a do MAP. “A história do museu passa pela história dos salões, não há como dissociar uma coisa da outra”, observa Marconi.

Nesses concursos anuais, cabia a um júri escolher os melhores trabalhos apresentados. O artista que tirasse o primeiro lugar, além de um prêmio, tinha sua obra exposta no Museu de Arte da Pampulha. Este, por sua vez, ficava com a peça. Assim, o número de obras foi crescendo, e hoje são aproximadamente 1600.  “Cerca de 40% do acervo do museu é de peças que vieram de salões nacionais,” afirma Luciana Bonadio, responsável pela Divisão de Conservação e Restauração do centro.

A cidade organizava salões de arte desde a década de 1930; a novidade do final dos anos 1960 foi que o concurso passou a incluir a participação de vídeos, instalações e objetos. O evento ultrapassava a linguagem clássica da pintura e da escultura e “afinava” sua vertente contemporânea, nas palavras de Drummond. É nesse momento que o salão ganha expressividade, atraindo artistas de várias partes do país. A cena cultural se movimentava com a competição entre pinturas, esculturas, instalações e fotografias. Entre os premiados figuraram Eder Santos, Amílcar de Castro, Franz Weissmann e muitos outros. Segundo Luciana, nesse período, cerca de 340 artistas foram premiados.

Entre Salões, organizado por Luciana Bonadio, Marconi Drummond e Fabíola Moulin, traz em suas 200 páginas mais do que um registro das obras premiadas: o crítico de arte Márcio Sampaio assina um ensaio crítico histórico dos salões de 1969 a 2000 (recorte temporal do livro). Para Drummond, o MAP, nos últimos anos, tem tido a preocupação de preservar sua própria memória.

Como parte desse esforço, o museu acaba de inaugurar a exposição “Coisário Cassino-Museu”, reunindo obras de arte que têm alguma relação com a instituição. A instalação “O jogador”, de Laura Belém, é uma delas. A artista espalhou roletas do antigo cassino pelo chão do MAP, numa clara referência ao seu passado.

Outra iniciativa que está ligada à preservação da memória do Museu de Arte da Pampulha é o projeto de higienização e o acondicionamento do acervo arquivístico. “Quando comecei a pesquisar para o livro Entre Salões, vi que era necessário fazer o tratamento dos documentos que já estavam começando a se degradar”, conta Luciana. São 30 mil peças, entre fotografias antigas, registros de exposições, cromos, plantas que traçam a trajetória da construção do museu e de seu acervo. O projeto conta com o patrocínio de R$135 mil reais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Mas o acervo do Museu de Arte da Pampulha não é o único atrativo do local. “Muita gente vem ao museu só para ver a edificação,” afirma o curador do MAP, Marconi Drummond. O cassino teve uma vida curta, de apenas três anos, sendo fechado em 1946, quando o jogo foi proibido no país. No entanto, o tombamento da construção garante a permanência das características definidas por Niemeyer.

Localizado às margens da Lagoa da Pampulha, o edifício tem jardins projetados por Burle Marx (1909-1994) e decorados com esculturas de Alfredo Ceschiatti (1918-1989), August Zamoyski (1893-1970) e José Pedrosa (1915-1989). O cuidado com o projeto está refletido na escolha dos materiais. Na entrada, o chão é de mármore português, e no segundo pavimento, o piso é de peroba. O toque moderno vem da estrutura de concreto armado, das esquadrias de ferro e das colunas interiores revestidas de aço inox. Em vez de escadas, Niemeyer optou por rampas que dão acesso aos três níveis em que está dividido o lugar.

O último deles é o mezanino, onde ficavam as roletas e os ávidos apostadores. No segundo piso, um espelho belga, que data da época da fundação do cassino, reveste totalmente uma parede, escondendo uma porta que dava acesso à área de serviço e à cozinha. Hoje em dia, ela serve de entrada para a parte administrativa da instituição.

Pelos salões do cassino – que se tornaram um point nos anos 1940 – passaram os principais integrantes da alta sociedade mineira, o que incluía o prefeito JK, frequentador assíduo do local. As opções oferecidas na casa agradavam aos mais variados gostos. Para aqueles que não acreditavam em sorte nas roletas havia o Grill room, que era um misto de restaurante, boate e casa de shows. Hoje o lugar, que tinha um palco, tornou-se o auditório do museu.

Na pista, a alta sociedade mineira dançava ao som de música ao vivo sobre o piso colorido, que dava um clima de discoteca ao lugar. O tratamento acústico do salão permitia que quem estivesse dançando não precisasse falar alto ao conversar com seu par. Aos mais tímidos e menos desenvoltos na pista de dança restava apreciar o espetáculo da noite acompanhado de um drinque ou de um jantar servido nas mesas do cômodo arredondado. Não era o caso de Juscelino, conhecido como um verdadeiro pé de valsa. 

Mas a badalação não era exclusividade do cassino; toda a região do entorno passou a receber cada vez mais gente a partir da construção do conjunto arquitetônico da Pampulha. Além do cassino, ele incluía o iate clube, a Casa do Baile e a Igreja de São Francisco, todos às margens da lagoa que deu nome ao complexo. Numerosos barquinhos levavam de uma margem a outra do lago os visitantes que queriam se divertir.

No entanto, a Pampulha não mudou só os hábitos dos muitos mineiros que saíam do centro da cidade e pegavam uma autoestrada, de cerca de oito quilômetros, naquela região isolada; a ousadia e a modernidade do complexo da Pampulha marcaram a evolução urbana de Belo Horizonte. Assim que as construções ficaram prontas, passaram a simbolizar a modernização da capital mineira. Prova do sucesso do projeto é que grande parte da equipe que participou dele voltaria a se reunir, quinze anos depois, na construção da nova capital federal, no Planalto Central. A parceria de Juscelino Kubitschek e Niemeyer, que renderia muitos frutos, foi selada na Pampulha.
 Antes de se transformar em museu, o prédio passou a ser usado para festas de formatura, e sofria com degradações. Em 1957 veio a salvação: depois de uma restauração, o MAP foi inaugurado. Tratava-se da primeira instituição de arte de Belo Horizonte.

Se o tombamento do prédio garante que a arquitetura original do museu seja mantida, iniciativas como o livro Entre Salões e o cuidado com o acervo arquivístico contribuem para preservar algo fora do alcance dos olhos: o passado da instituição.

http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/reportagem-obra-prima

Comentário
Localizado no conjunto arquitetônico da Pampulha, projetado por Oscar Niemeyer onde funcionava um cassino que teve vida curta de apenas três anos, sendo fechado em 1946 com a proibição do jogo no país.
 Agora como museu de arte moderna e contemporânea, visa atualizar culturalmente a capital mineira e nesse momento o salão ganha expressividade, atraindo artistas de várias partes do país.
Mas o acervo do Museu de Arte da Pampulha não é o único atrativo do local. “Muita gente vem ao museu só para ver a edificação,” afirma o curador do MAP, Marconi Drummond. Niemeyer.

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